COP 30, açaí e doença de Chagas: reflexões necessárias para uma saúde localmente engajada
21/08/2025
COP 30, açaí e doença de Chagas: reflexões necessárias para uma saúde localmente engajada
21/08/2025
Nós, da equipe do projeto CUIDA Chagas, que desde 2022 atuamos diretamente junto a gestores, profissionais e lideranças comunitárias do município de Igarapé-Miri (PA), acompanhamos com preocupação o recente episódio envolvendo a proibição temporária da venda de açaí nas áreas oficiais da COP 30, sob justificativa de risco de transmissão oral da doença de Chagas. A decisão, anunciada e revertida em poucos dias, nos causou perplexidade e incentivou nossas reflexões sobre uma questão central: soluções e projetos que se dizem “sustentáveis” e “saudáveis” conseguem, de fato, valorizar e promover as práticas culturais e econômicas de cada território?
Igarapé-Miri, a “capital mundial do açaí”, no Nordeste Paraense, é um dos cinco municípios brasileiros que integram a pesquisa de implementação do CUIDA Chagas. Nosso trabalho aqui tem como foco principal contribuir para a eliminação da transmissão vertical da doença de Chagas (aquela que pode acontecer durante a gravidez ou o parto). Por meio de uma estratégia integrada de testar, tratar e cuidar voltada para mulheres em idade fértil, seus filhos(as) e contatos domiciliares, buscamos produzir evidências científicas, enquanto fortalecemos os serviços de Atenção Primária à Saúde.
O açaí é mais que alimento: é identidade, sustento e patrimônio cultural. As atividades envolvendo a sua produção e comercialização sustentam a renda de milhares de famílias, mobilizando atividades que vão da colheita ao beneficiamento e à venda, fortalecendo a agricultura familiar e a economia local. Em Igarapé-Miri, ele está presente nas feiras, nas casas e nas comunidades ribeirinhas. Por meio do nosso estudo e ao lado de parceiros locais, buscamos garantir que a prevenção da doença de Chagas caminhe junto com a valorização dos saberes e modos de vida amazônicos.
A doença de Chagas, endêmica na Amazônia, pode ser transmitida pela ingestão de alimentos contaminados, mas o risco não está no fruto em si — e sim na ausência de boas práticas sanitárias. Por isso, defendemos que eventos de grande porte, como a COP 30, sejam oportunidades para promover a comercialização segura do açaí, sem a necessidade de recorrer à proibição sumária.
A vigilância sanitária, componente essencial do nosso Sistema Único de Saúde, tem papel central nesse equilíbrio, pois cabe a ela assegurar que alimentos consumidos diariamente pela população — como o açaí, o tucupi e a maniçoba — cheguem à mesa com segurança e qualidade. Causa, portanto, estranhamento que um evento que se apresenta como “sustentável” e “promotor da agricultura familiar” adotar, sem sensibilidade ao contexto local, uma medida que proibiria a comercialização de produtos fundamentais para a rotina alimentar e a identidade cultural dos paraenses. Tal postura evidencia a desconexão entre o discurso e a prática, e reforça a necessidade de decisões pautadas em diálogo, ciência e respeito aos territórios.
A reversão da proibição da venda de açaí na COP 30 foi uma vitória, mas o episódio revela a urgência de políticas que unam ciência, cultura e desenvolvimento sustentável com base no território. A COP 30 não pode ser só palco de discursos: precisa valorizar saberes locais e promover soluções que conciliem saúde, segurança alimentar e respeito à Amazônia. O Projeto CUIDA Chagas reafirma seu compromisso em proteger vidas, respeitar culturas e construir caminhos em diálogo com quem vive e produz na região.
Redação: Valentina Carranza e Andréa Silvestre